No dia 19 de janeiro de 2001 o Grupo Folha anunciava por meio de nota oficial o encerramento das atividades do jornal Notícias Populares — o famigerado NP. Na época em que a internet e os portais que atualmente estampam o hard news estavam longe da rotina dos brasileiros, era ele que fazia a alegria dos jornaleiros. As manchetes bizarras, que traziam sempre o fato mais inusitado, o fictício de forma implícita em alguns casos, reuniam aglomerados de pessoas em frente às bancas para ler a capa do dia. “Bebê-diabo do ABC pesa 5 quilos”, “Aumento de merda na poupança”, além da clássica “Broxa torra o pênis na tomada”, foram algumas das notícias que puderam ser lidas durante o período de publicação do jornal.

Apontada simultaneamente como mártir e vilã da imprensa nacional, a história do NP é permeada por investimentos inovadores, sensacionalismo e comoção popular. O jornal foi um dos poucos casos de veículos impressos a atingir uma tiragem de grandes proporções e, encerrada aos 38 anos, a publicação hoje figura no hall do jornalismo brasileiro como uma experiência mal vista do ( e pelo) Grupo Folha.

Foi neste ambiente que o jornalista Marcelo Orozco atuou como repórter, editor de esportes e ajudou a escrever as manchetes do Jornal na história. Recém formado, ele despontou logo no primeiro ano de profissão como um nome de peso dentro da redação do NP.

- Em quais veículos trabalhou antes do NP?

Marcelo Orozco: Me formei em 1989 e entrei para o NP em janeiro de 1991. Foi meu primeiro emprego como jornalista. Antes disso, tive apenas experiências sem ser funcionário do veículo. Fui estagiário no jornal Gazeta Esportiva em 1989 e free-lance do caderno de variedades da Folha da Tarde entre outubro de 1990 e janeiro de 1991. E fiz colaborações com textos sobre música para publicações da editora Imprima, em 1986 e 1987, e para o Jornal do Cambuci, de 1989 a 1991.

-Qual foi sua reação diante da proposta do Veículo? Houve algum tipo de adaptação marcante devido às suas experiências profissionais anteriores?

M.O.: Já tinha tido contato anterior com o funcionamento do NP nos tempos de faculdade, em 1986, quando houve um trabalho em grupo de perfil de um dos secretários de redação da época - uma fase "NP antigo", antes da reforma editorial modernizadora. E, já na fase pós-reforma, tinha contato corrente com dois colegas de faculdade que já estavam na equipe do NP e que acabaram ajudando na minha entrada no jornal.

A adaptação marcante foi mais por entrar no método de trabalho de jornalismo diário, um ritmo e uma experiência que você realmente não aprende na faculdade nem fazendo trabalhos esporádicos ou sem o compromisso de fazer parte da equipe. Editorialmente, sempre simpatizei com a noção de produzir jornalismo mais direto e com uma linguagem simples para um público de baixa renda com acesso limitado a formas escritas de informação.

E, como fui trabalhar na editoria de esportes, área na qual já tinha tido uma experiência prévia, não houve maior problema de adaptação além do que citei acima.

- Como foi o processo para se tornar editor do Jornal? Passou pelo processo tradicional repórter-editor?

M.O.: Entrei num período de constante transformação e transição do "velho NP" para o "novo NP", a transição das reformas editorial e gráfica. Essa transição implicou numa fase de frequentes mudanças de pessoal. Esse processo foi bastante agudo na editoria de esportes. Ingressei como repórter em janeiro de 1991. Por causa das tais mudanças de pessoal, em agosto de 1991 já me vi colocado na função de sub-editor ou editor assistente. E nela fiquei por dois anos, passando a editor de esportes em setembro de 1993, quando o editor Paulo César Martin assumiu o cargo de secretário de redação do jornal.

No todo desse processo, independentemente dos cargos, as lições mais valiosas foram de o que é importante e fundamental numa matéria (seja um abre de página, seja uma nota de uma coluna), como montá-la, como apresentá-la da melhor forma (título, foto, como estruturar o texto, boxes, subs com mais informações ou lembrando algo histórico que se relaciona ao assunto), o que buscar nas fontes entrevistadas, o que ressaltar de contexto sobre aquele assunto, qual a declaração que rende o gancho, qual o lead mais certeiro, informativo e enxuto, buscar o ângulo mais singular, que não será o mesmo que os outros jornais vão dar... Enfim, coisas que fui aprendendo em todas as fases. Não houve lições só como repórter, nem só como sub-editor nem só como editor.

- Entre 1991 a 2000, quais foram as mudanças mais drásticas pelas quais o Notícias Populares passou (tanto administrativas como jornalísticas)?

M.O.: Ao longo de 1991, o NP conviveu com a ameaça de "ensacamento" por causa de um processo movido pela Vara do Menor (recomendo a checagem sobre o nome oficial e exato; não me lembro agora se o nome oficial desse departamento judiciário era exatamente este, mas era uma promotoria de proteção aos menores e à família). O processo aberto pedia a venda do NP em sacos plásticos lacrados, como revistas pornográficas, por seu suposto conteúdo ofensivo e imoral. Se isso tivesse acontecido, decretaria a morte do jornal naquela época, pois era economicamente inviável para a empresa manter o NP com esse custo adicional de lacrar com plástico milhares de exemplares.

Essa fase fez com que o jornal "aliviasse" um pouco o tratamento das matérias, o uso de palavras e a publicação de fotos mais chocantes (algo que aconteceu bastante entre o início da reforma em 1990 e a abertura desse processo). Acredito que a atenuação acabou sendo benéfica para o próprio jornal, que embora tenha mantido seu espírito básico de ser diferente em seus enfoques, passou a ter um autocontrole mais sóbrio. No fim, o NP ganhou a causa em novembro de 1991. E manteve a linha atenuada.

As principais mudanças foram as do cargo de editor-chefe. Laura Capriglione saiu em 1991 pouco após a abertura do processo do ensacamento por discordar da orientação de atenuar a apresentação do conteúdo. Alvaro Pereira Jr. assumiu a função e ficou até 1995, quando foi para o programa Fantástico, onde está até hoje. Eliane Silva foi sua substituta e fez um jornal mais comedido, ficando até 1997. O último editor-chefe foi Fernando Costa Netto, ex-revista Trip, que buscou uma reputação mais pop, cult e cool do jornal, procurando expandi-lo para camisetas, eventos e outras atividades promocionais que tiveram algum resultado positivo.

Em setembro de 2000, a empresa proprietária promoveu uma mudança radical subordinando o NP ao recém-fundado Agora. Fernando Costa Netto preferiu sair. Outras pessoas também saíram nesse momento, eu inclusive. Os restos combalidos do jornal resistiram até janeiro de 2001, quando foi definitivamente "descontinuado".

Mas o fechamento do jornal se deveu à queda na tiragem que se devia mais ao crescimento da crise econômica no segundo mandato de FHC e à política de distribuição do jornal e a infraestrutura proporcionada do que à linha adotada por seus editores-chefes.

- O que fez depois do NP e qual seu trabalho atual?

M.O.: Fui para o site de entretenimento El Foco, que teve vida curta e fechou em 2001. Passei pelo programa Esporte Espetacular, da TV Globo. Pela revista Tudo, da Editora Abril. Pelas revistas Crocodilo e 10 (sobre futebol), na editora Conrad. Pela revista Jovem Pan, da editora Bregantini. Participei na redação da cobertura da Copa do Mundo de 2006 no UOL. E, desde julho de 2006, estou na revista VIP, da Abril, como editor da seção Preliminares, de assuntos gerais.

Fragmentos de um jornalista-escritor


Ao longo de sua carreira, Orozco já participou de realizações além-redação, como o livro biográfico de Kurt Cobain. Sobre essa experiência ele confessa a realização e como transformou o material que havia coletado como fã em trabalho.


- Sobre o lançamento do livro “Fragmentos de uma Autobiografia - Kurt Cobain”, como foi essa experiência? Se fosse fazer outro projeto sobre música, de quem seria?

M.O.: A (editora) Conrad me procurou no meio de 2001 com a proposta de elaborar o livro da forma como saiu (análise das letras ligadas à biografia de Kurt Cobain). Eu era interessado em Nirvana e tinha amigos em comum com o pessoal da Conrad (Rogério de Campos e André Forastieri, os quais eu também conhecia anteriormente), por isso eles me lançaram a idéia. Foi uma experiência gratificante. Trabalhosa no sentido de botar uma ordem em todo o material que eu já tinha separado apenas como apreciador e em todo o material novo que fui pesquisar. Mas gostei. E foi recompensador ter feedback de quem leu o livro.

Já me perguntaram várias vezes sobre quem mais eu gostaria de escrever a respeito. Teria muita gente, mas não sei mesmo.


-Pretende lançar mais algum livro?

M.O.: Complementando, estou deixando ao sabor dos ventos. Quando aparecer uma circunstância e um objeto de interesse que me instigue como ocorreu no caso do livro sobre o Cobain, eu gostaria de fazer. Teria um estímulo mais prazeroso. O que não gostaria é de produzir outro livro apenas por obrigação.

1 comentários:

Juliana disse...

Cheguei a frequentar a redação do Notícias Populares, um tempo (era estagiária na Gazeta). Adorava aquilo ali, e hoje acho que uma das besteiras que fiz - dessas das quais a gente se arrepende depois - foi não ter aproveitado a chance, de repente trabalhar lá. E acredita que já ouvi muita, mas muita gente mesmo, dizer que jornalista que trabalhava lá ficava "manchado" pro resto da vida?

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