segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O anti-herói da imprensa tupiniquim

Personagem ímpar na história da imprensa nacional, Renan Antunes de Oliveira é o calo no sapato de muita gente. Com um Prêmio Esso no currículo, ele trabalhou em meio mundo de veículos e não satisfeito com isso, chutou boa parte deles em nome de independência (se você fez cara de “isso existe?”, então somos dois).
Independentemente de eu concordar ou não com esse lance de ser livre pra dizer o que quiser no mundo da “liberdade de empresa”, como diria Clóvis Rossi, nem sobre pensamentos esquerdistas tão totalitários quanto os de direita, Antunes é um cara que sabe onde pisa e mesmo agindo com o pensamento de esquerda, tem a consciência de admitir o que acontece para poder criticar o cenário composto pela imprensa nacional.
Mais que um bom crítico, ele conhece a estrutura, dá a cara a tapa e deveria figurar entre os grandes nomes da imprensa (sim, aqueles tidos como mestres nas universidades), pois pensa o jornalismo de um modo que poucos se atrevem à fazê-lo. Seguem abaixo alguns trechos de uma entrevista feita com ele pelo site Fazendo Media:


RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA

Vencedor do prêmio Esso de
Reportagem.

Breno Costa – Você trabalhou na Veja, na Istoé, no
Estadão. Você sempre teve essa postura combativa?

A postura combativa é até
um elogio desnecessário a essa altura do campeonato. Não é isso. É crítica o que eu quero dizer. Por exemplo, eu fui trabalhar na Veja na época em que se fez aquela campanha do Collor. Então, eu entrei para cobrir aquela campanha, era um dos repórteres de Política...


Mariana Vidal – Quanto tempo você
trabalhou lá?

Eu tinha 40 anos quando eu estava na Veja. Aí eu cheguei e fui trabalhar lá e vi todo mundo, gente como vocês, novos, recém-formados e entrando, trabalhando, tal... E a empresa mesmo trabalhando a favor do Collor.

Breno Costa – E a Redação era contrária a Collor?
Os jornalistas sempre têm esse discurso de esquerda. No discurso. Na prática, todo
mundo quer viver bem. Os jornalistas têm esse discurso crítico, mas quando ganham bem, eles dão o discurso no bar, mas chega na redação, na hora de escrever, se o patrão mandar mudar eles mudam. Aí vem a coluna vertebral dessa profissão. "É como dupla caipira: se você pagar eles tocam", frase do Ricardo Kotscho. Se você pagar um jornalista e disser para ele: "Olha, me escreve aqui a história do Che Guevara". Se te pagar, tu vai lá e escreve. Aí você volta dizendo que o Che era um revolucionário, etc. Mas o patrão: "Não gostei. O Che era veado". Aí você vai lá: "O Che, com suas relações homossexuais....". A Veja faz assim, entendeu? O cara escreve e prova a tese de que o Che era veado, se eles quiserem!


Breno Costa – Voltando à Veja, ela tem uma diferença marcante em relação a outras revistas semanais. Inclusive, no meio jornalístico, ela é bastante criticada. Eu queria saber qual é essa diferença e como isso se dá.
Gente, se vocês querem ser jornalistas na vida, esqueçam qualquer modelo já visto e olhado. A gente, quando está na faculdade, quer visitar tal jornal e tem gente que vai lá e faz um estagiozinho. Claro que a gente tem que ver, tem que saber, mas leiam os jornais velhos, peguem uma Veja velha e dêem uma lida e tirem suas conclusões. Então, eu não queria trabalhar, o troço não funcionava e eu comecei a mandar um freela para revista, pro Estadão... E aí fiz tudo sozinho! Aí me dirão: talvez por isso sua carreira tenha sido um fracasso, que tu tenha chegado aos 55 pra ganhar um miserável Prêmio Esso, enquanto qualquer outro recém-saído da faculdade, trabalha 20 anos na Folha, no Globo e ficam ricos. Os caras ficam ricos! Ricos! Ganham muito dinheiro. O salário de editor dá 10, 12, 15 paus. A única coisa que ele tem que fazer é não apertar muito, se não estraga as bolas do Dr. Roberto e ele não pode ser mais o garanhão que ele é! Quando eu trabalhei na Veja eu tive que dizer para o Dr. Roberto [Civita], a um palmo de distância, o que eu achava disso e daquilo.

Breno Costa – E uma das justificativas que as redações apresentam pra não fazer esse tipo de reportagem é o custo dessas matérias...
Gastei R$ 140,00 para fazer a matéria do Esso. A de Curitiba, estava no caminho, gastei só a passagem. Aí com o dinheiro do Prêmio Esso [R$ 10 mil], gastei quase R$ 7 mil para ir a Paris investigar um caso que aconteceu com um carioca.

Marcelo Salles – A matéria do Felipe Klein [vencedora do prêmio
Esso], você tentou vender pra revista Época, né?

É, eu liguei pro pessoal e
disse: "Olha, eu tenho essa matéria, tô te mandando". Porque eu queria voltar pra grande imprensa, ninguém quer ficar no gueto, num jornalzinho no Bom Fim [Bairro de Porto Alegre], embora ali seja onde eu posso escrever com independência. Não há pressão sobre um jornal pequeno, embora haja pressão dos grandes, que nos tiram das bancas. Ou vocês acham que isso não acontece? Se você botar um jornal pequeno nas bancas do Rio de Janeiro, alternativo, combativo, crítico e independente, O Globo vai lá, passa e diz: "O senhor está vendendo quanto desse jornal aí?" "Dez" "Pô, então faz o seguinte: não vou ocupar espaço na tua banca, me dá O Globo aqui". Tira 200 Globos dele. Aí o cara: "Não, não!" "Então, ou tu vende o meu ou tu vende o dele. Escolhe". É assim que funciona. Aí fica aquele monopólio da informação. A grande imprensa se especializou em "quem, onde, quando, como". "O João matou o Juca no dia 25, exatamente às 13h47". Eles dão aquela coisa certinho. "O governador disse isso". Aí abre aspas e põe uma frase. Agora, o porquê é que ninguém quer explicar. E eles [os grande jornais] sempre cospem para baixo. Eles não atacam em cima. É uma das primeiras coisas que um jornal te diz: "Olha, nós respeitamos as instituições, nós respeitamos as autoridades". Aí nesse caso das bancas, você vai no CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] se queixar. No outro dia, sai uma matéria no Globo, primeira página: "Corrupção no CADE. Cinco conselheiros estão sendo investigados". Aí já tira o caso, entendeu? Eles fazem isso. Tu não tem jornal pra publicar isso. A gente fala entre nós, você publica em um panfletinho, mas a grande mídia silencia sobre isso, fica quieta.



Confira a entrevista completa aqui.

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